quarta-feira, 20 de abril de 2011

A arte enquanto profissão

Algumas questões andam tomando forma na minha mente e formando quase opiniões (ainda que sempre abertas a mudanças) sobre a arte e as formas de fazer arte. Todos sentimos e sabemos que o belo e a sublimação são necessidades da natureza humana, e das mais legítmas com toda certeza, e que sempre o foram mesmo que de uma maneira muito instintiva e mais rude, e ainda não conceitualizada.

Depois de trocar uma idéia com pessoas com noções diferentes sobre isso fiquei pensando se de fato existe uma legitimidade e uma necessidade real de "profissionais da arte". Estas profissões são profissões não produtivas num sentido de não suprir coisas de primeira ordem de necessidade à sobrevivência e preservação da espécie, e também são profissões que não nos fornecem o desenvolvimento de tecnologias (tão facilitadoras na vida....comprimem o tempo e o espaço de uma forma real....); em suma, talvez elas não sejam tão necessárias e poderiam quem sabe deixar de existir, ou não. Essa é a minha pergunta, artistas profissionais (por maior que seja a beleza inerente à profissão) necessariamente precisam continuar existindo na sociedade humana?

A necessidade da arte é uma coisa eterna e verdadeira...mas porque julgar que a arte só se manifesta na cultura por meio de pessoas especializadas, com diplomas, ou ainda que vivam exclusivamente da arte?

Como diz George Maciunas na sua definição da arte a partir da anti-arte_"as formas 'anti-arte' atacam em primeiro lugar a arte enquanto profissão, a separação artificial do artista e do público, ou do criador e do espectador, ou da vida e da arte". Para ele, "a chuva que cai é anti-arte, o rumor da multidão é anti-arte, um espirro é anti-arte, um vôo de borboleta, os movimentos dos micróbios são anti-arte. Essas coisas também são belas e merecem tanta consideração quanto a arte. Se o homem pudesse, da mesma maneira que sente a arte, fazer a experiência do mundo, do mundo concreto que o cerca (desde os conceitos matemáticos até a matéria física) ele não teria necessidade alguma de arte, de artistas e de outros elementos 'não produtivos'". Ou seja, um estado de arte sem arte, onde tudo torna-se material indispensável para a "experiência do mundo"_ a arte é a expressão da própria vida, até o movimento de bactérias e o voar dos pássaros podem ser considerados formas de arte, em síntese qualquer expressão da vida ou da morte são artísticas por si, e olhar a vida de forma a apreciar e observar isso é arte.

Não sou tão radical quanto ele ao pensar que o ser humano não necessite manifestar por si mesmo essa arte em sua própria cultura, construindo-a (ou reconstruindo-a) a partir de si mesmo e de suas ferramentas. Porém, que necessidade teríamos nós de artistas profissionais se todos, ou grande maioria, fôssemos artistas? Por quê pessoas especiais precisam ser escolhidas pra exercer a arte na sociedade humana?

De certa forma a posição humana das massas de "trabalhar feito burros de carga", e a da elite científica de estar absorta por completo em suas pesquisas, exclui vários estratos da sociedade (principalmente o que é utilizado como mão de obra em trabalhos pesados ou funções "menores") de exercer a arte, oferecendo-a então como um produto barato e quase industrializado na forma de novelas, músicos, programas de tv e exposições feitas por artistas de renome. As "pessoas comuns" não tem tempo para se deleitar fazendo a arte e nem a ciência.

Algumas pessoas são escolhidas, eleitas, nesse sistema de meritocracia e de "vencer na vida" a exercer profissões mais agradáveis e que dignificam a essência humana, enquanto que outras meramente fazem o trabalho bruto, menosprezado, mas necessário para a manutenção social "porque não estudaram o suficiente, ou não se esforçaram, ou simplismente porque alguém tem que fazer isso".

Então, por sermos de certa forma privados da arte, de nós mesmos fazê-la devido a falta de tempo e condições, nos empurram ídolos bonitos, nos vendem músicas e shows que nós mesmos não podemos e não poderíamos fazer. Qualquer artista com bastante fama só a tem pela idéia que é vendida à massa (por mais que seu trabalho seja excelente, o reconhecimento só vem com a "venda da imagem"), em suma é criado um "alter ego de artista" necessário para que seu trabalho seja considerado uma função exclusiva e vital.

Isso é fruto do modelo de distribuição de trabalho, hierarquizado, que o sistema neoliberal nos oferece e que é voltado para girar a economia e enriquecer poucos. Pessoas chiques não querem saber de fazer faxina na casa, lavar pratos ou fazer pequenos trabalhos necessários à comunidade. Mas esse modelo é e foi algumas vezes burlado por pessoas que entendem que se cada um se esforçar para manter a ordem fazendo algumas pequenas tarefas, não é necessário designar uma maioria desfavorecida para fazer exclusivamente esses trabalhos mais brutos em tempo integral. Se pode notar isso, por exemplo, nos templos zen, onde cada um lava seu prato, e todos ajudam alternadamente a cozinhar, lavar e manter a organização no templo. A alternância de tarefas (ou então uma real igualdade econômica e de reconhecimento entre elas) como alternativa paralelamente ao trabalho principal realizado por cada pessoa, em suma, o espírito comunitário, possibilitaria que todo cidadão dispusesse de tempo para ser feliz e exercer ciência e arte impulsionando um desenvolvimento acelerado da sociedade.

Independente disso vou continuar gostando de secos e molhados, zélia duncan, mutantes e pink floyd...só desaprovo idolatrias, exclusão e a maneira como as coisas são feitas hehe.

Aqui fala (ou berra) uma pessoa apaixonada pelas artes...pela democratização da arte e pelo direito de ser artista!